- - Jaime Gil de Biedma.CONTRA JAIME GIL DE BIEDMAPara que serve, eu queria saber, mudar de casa,dei
- - Jaime Gil de Biedma.CONTRA JAIME GIL DE BIEDMAPara que serve, eu queria saber, mudar de casa,deixar pra trás um porão mais escuroque a minha reputação – ou seja –,botar cortinas brancase ter uma empregada,renunciar à vida de boêmio,se depois disso tudo aparece você,visita indesejada, idiota usando minhas roupas,o zangão da colmeia, inútil, desprezível,com as mãos bem lavadas,comendo no meu prato e emporcalhando tudo?Os balcões dos botecos te acompanhamaté o fim da noite, cafetões, floristas,as ruas mortas madrugada adentroe os elevadores de luz amarelaquando, já bêbado, você chegae vê no espelho em frentea cara destruídae os olhos furiosos ainda,que você não quer fechar. E se eu reclamo,você ri e me lembra do passadodizendo como estou velho.Eu poderia te dizer que você já era,que esse informal e alegre estilo,depois dos trinta anos,acabou se tornando truculento,e que seu relaxadoe encantador sorriso juvenil– que era bonito – virou algo penoso,um esforço patético.Enquanto me encara com os olhosde um órfão de verdade, você choradizendo que não vai mais fazer isso.Se você não fosse tão puta!E se eu não soubesse, já faz tempo,que você é forte quando eu sou fracoe que você é fraco quando me enfureço…Sempre que você vem, me sinto confuso,em pânico, com pena e infeliz,sinto a desesperançae a impaciência e o ressentimentode sofrer outra vezessa humilhação imperdoávelchamada intimidade.A duras penas vou te levar para cama,como quem vai ao infernopara dormir contigo.Morrendo a cada passo de impotência,tropeçando nos móveisàs cegas, vamos cruzar a salatorpemente abraçados, cambaleandode álcool e de soluços sufocados.Que miserável servidão amar seres-humanos,servidão pior que essa,a de amar a si mesmo!—————————————–A RUA PANDROSSOUBem-amadas imagens de Atenas.No bairro de Plaka,perto de Monastiki,uma rua qualquer com muitas lojas.Se alguém que goste de mimalguma vez for à Grécia,e passar por lá, sobretudo no verão,mande minhas lembranças a ela.Era uma segunda-feira de agostodepois de um ano atroz que começava.Lembro que de repente amei a vida,porque da rua vinha um cheirode cozinha e couro de sapato.—————————————-SÃO COISAS DE FAMÍLIAPor que me agradecer, pai, e me acompanharcom esta confiança todacriada entre nós dois depois da sua morte?Nada pode me dar. Nada posso te dar,por isso você me entende.[Trad.: Fabrício Corsaletti e Leonardo Gandolfi]. -- source link