Se eu pegasse emprestadas as mãos de Drummond, saberia eu transcrever os sentimentos do mundo
Se eu pegasse emprestadas as mãos de Drummond, saberia eu transcrever os sentimentos do mundo? Se eu roubasse as mãos de Tarsila, teria eu encontrado um outro Abaporu? Não, não, não e não. Mãos sozinhas são inúteis. Elas precisam da biografia, do complemento de vida do corpo que as acompanha. São necessários o cérebro, os órgãos, os óculos, a desilusão amorosa, os acontecimentos. As mãos — sós — não se bastam. Mãos solitárias não criam. Não sabem se escrevem, se ofendem, se afagam. Elas apenas gesticulam. O gesto pode ser qualquer um. Eu queria ter sido as mãos de Beethoven no exato momento em que deixaram escapar as primeiras notas da quinta sinfonia.Tan-tan-tan-tan!Uma vez escrevi poeta não se cala, silencia as mãos. Ilustrei este verso num guardanapo. Quando quero conversar comigo, o papel frágil é o primeiro destinatário dos meus desassossegos. É meu divã, meu lugar de escuta. Uma poltrona flexível, pequena, que se encaixa perfeitamente nas mãos. É onde quebro a timidez. O recolhimento do artista não está na sua fala espaçada, na sua pouca interação verbal ou na sua postura cabisbaixa. Tudo está em suas mãos. Quando ele cerra os punhos, ele encerra qualquer possibilidade de expressão. É sua forma de calar a boca. As mãos são a garganta dos poetas.Quando meu avô morreu, eu cerrei tanto, mas tanto os meus punhos que tive a sensação de quebrar todos os ossinhos dos meus dedos. Minhas mãos renasceram para dentro. Como se fossem procurar as palavras mais difíceis de pronunciar. Não existe um vocabulário dócil para explicar ou, ao menos, tentar entender a morte de um avô. Seria preciso inventar uma nova linguagem. Às vezes, penso ser fluente em saudade.(volta,vô,volta!)Você não voltou.Só deus sabe o quanto eu senti vontade de socar a cara de Deus. Ele me perdoaria? Eu me perdoaria? Nesse dia eu chorei, mas as lágrimas não saíram. Elas ainda estão contidas nesses punhos fechados. Se eu abrir minhas mãos, o mundo inteirinho seAFOGA.———-Texto: Mãos Silenciadas; parte 7/7, de PEDRO GABRIEL. -- source link
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