Não sei se mereço essas mãos. Mas, decerto, preciso delas para existir. A minha
Não sei se mereço essas mãos. Mas, decerto, preciso delas para existir. A minha boca é um interminável deserto — seco de pronúncia. Ela não comunica com precisão todas as coisas que eu pretendo dizer. Ocasionalmente, até digo algo em alto e bom som. Mas, de modo geral, ela se cala. Criei um calo na garganta. Por isso, reafirmo, essas mãos me são vitais para sobreviver. Sem elas, toda palavra que me escapa seria pouca, soaria oca.Minhas mãos não me deixam desistir. Apesar do aspecto áspero, elas contêm afago. Ainda que escrevam desamor, brutalidade ou rispidez, elas são feitas de ternura (e um tiquinho de rancor, confesso). É impossível permanecer totalmente amável nesse mundo que insiste em nos contaminar de amargura. Apesar do jeito meio torto, é com elas que endireito meu vocabulário. Ainda que me pareçam distantes, são elas que me aproximam das pessoas que desejo manter por perto. Seja na escrita de um post-it, seja na maneira preguiçosa de abreviar as palavras mais bonitas numa conversa por celular.[25/07/2005 11:18]: sdd, vô![22/09/2020 21:15]: …Meu avô é uma mensagem vista por último no dia 25 de julho de 2005. Meu avô é uma resposta que não chega há quinze anos. Não sei se mereço essas mãos, mas é com elas que meço toda essa saudade. Não sei se mereço essas mãos, mas são elas — e só elas — que me fazem afagar novamente essa lembrança.Na margem do meu rosto, outra lágrima se desenha. Você consegue me ouvir,vô———-Texto: Mãos Silenciadas; parte 3/7, de @pedrogabrielautor -- source link
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